Mães: o campo feminino

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Esse fragmento é parte do capítulo da Obra que tenho trabalhado com Amaril, inicialmente, denominado de A ROSA AZUL.

A temática do livro nasce como uma busca para aprofundar, esclarecer, compreender dois pontos: o machismo e o racismo. Os dois acabam criando uma intersecção ao situar a mulher negra. Toda a construção vai se dando por esses mecanismos e recortes.

Aqui apresento a parte inicial do capítulo- O RETORNO DA DONZELA. E trago esse fragmento, porque trabalhando em seu ajuste, ficou claro que ele dialogava com inúmeros casos que me chegaram na semana, que tocava essa relação mãe-filho. Uma relação que ao ser desdobrada nos remete a relação homem-mulher e que em outro desdobramento nos desvela a relação nossa com a Natureza, nossa com o Cosmos. 

Esses casos chegaram a partir de elementos avulsos, que culminaram numa foto muito bonita de Primavera abraçada com seu filho no luar. A foto traduzia uma cumplicidade, um encantamento, uma amizade, como que aquele filho ocupasse o lugar de Príncipe, de amigo, de herói. A foto dialogava com esse lugar que tinha avistado em uma partilhante de largar tudo para cuidar do filho que estava necessitado. Conversava com minha ex, com minha filha e estou mencionando as mães que tem filhos únicos. É uma outra apreensão. Havia uma redoma, um elo, uma camada protetora que envolvia e envolve essa relação. Se benéfico, se negativo, não entro no mérito, fiquei na beleza da cumplicidade. Eram muitas mulheres, amigas, pessoas. 

A partir disso tive que fazer a pergunta para elas de como era essa relação, com Primavera insisti na foto e ela me disse que na hora da selfie pediu a Lua que o(s) envolvessem, que cuidasse dele. Que ela desse a ele colo até ele atingir o ponto máximo. E, magicamente, a foto registrou esse encontro. Nele há um abraço que é um sorriso. Um enlace que é uma camaradagem, uma cumplicidade, uma relação entre iguais. Uma relação amorosa como poderia ser entre todos, especialmente, entre homens e mulheres. Não é o que acontece. Não vemos as mulheres com essa igualdade, com essa força. Ela estava o entregando aos cuidados dela. Era uma mãe conversando com a outra. 

O que me direcionou aos trabalhos marianos que temos realizado nos Bravais Conscienciais no Youtube às 4as feiras às 18:00 horas. 

A energia amorosa e misericordiosa de Maria. A energia de doçura e amor de minha mãe e outra companheira sempre fiel a reunião. A minha tentativa yang de mostrar e pedir para que não se ocupem com os filhos, deixe-os aos cuidados do Pai, da vida. Mas, isso dói nelas e a reza, a oração, a proteção se faz cuidado, por vezes dor e sofrimento. De todo modo, essa energia de acolhimento, de envolvimento, de algo que adentra, penetra e transforma sutilmente por dentro está lá em todas as suas fases e desdobramentos. Posto isto, posso ir trazendo os elementos do livro. 

Hoje a imagem que trago é do universo interno. Dos estilhaços e fragmentos desses mundos que se quebram num olhar, num grito, num silêncio, numa ação. Em certo sentido esses mundos quebram quando nos deparamos com o fato de não sermos e nem termos relevância no mundo dos outros. No caso em questão falo da descoberta do egoísmo, creio que seja esse o nome.

Uma mulher fantástica (Nereida) aqui das Minas de Belo Horizonte diz que egoísmo é tentar ser o centro, o umbigo da vida do outro. Já ser o centro da própria vida caracteriza-se com outro nome, que não é negativo como o primeiro movimento. Temos assim o egoísmo clássico que consiste em colonizar o umbigo da outra pessoa como se fosse o próprio e por outro lado a necessidade de encontramos nossa centralidade e saber que cada sujeito possui a sua.

Por muitas vezes nos perdemos nesses movimentos, nesses deslocamentos de eixo e de rota. A saída de si mesmo em direção ao outro, a permanência em nós para evitarmos colonizações, as brigas por independência e autonomia, a disputa para que outros saiam dos nossos umbigos, as rogativas estranhas que vemos pessoas realizarem para terem alguém que ocupe o umbigo delxs. Os movimentos existenciais são muitos e em cada um deles precisamos colocar atenção de que há uma impossibilidade fisiológica de tal ocupação. Todavia, energeticamente, isso não é tão fácil e simples. O cordão umbilical pelo qual somos alimentados sempre busca uma conexão com mecanismos externos a nós. Há assim uma dupla interface que se estabelece, PRIMEIRA uma evolução que nos direciona e nos coloca em busca da autonomia. Estamos pensando no desenvolvimento físico, orgânico e separando isso de quaisquer outros elementos.

 

 

Durante toda a gestação somos alimentamos, em todos os sentidos e níveis, por esse cordão umbilical. No momento do parto, poucos minutos depois de sairmos do útero, temos esse corte violento, essa ruptura com o caminho que nos nutriu por meses. Meses, que da perspectiva do feto, são eras. Dado o corte, recebemos o seio materno. E o laço permanece, continua. O peito nos faz esquecer do umbigo e o umbigo será curado, tratado com todo zelo, cuidado. Por vezes, pela avó, já que há um temor de algo dar errado nesse trato. Findo o cuidar do umbigo e meses, anos mais tarde, ocorre o desmame, inicia-se a infância, depois a adolescência, a juventude, a vida adulta.

Em cada passo há um desenvolvimento para que sejamos independentes. O desenvolvimento natural, fisiológico seria o de ir permitindo essas expansões, seria o de ir dando autonomia aos seres para cuidarem do próprio umbigo.

Nem sempre é assim que acontece, por diversos motivos. Há processos formativos nos quais nunca se dará independência ao outro. Nunca! Há seres que se alimentam e exploram, justamente, essa necessidade de conexão, de transcendência. Eles oferecem canais que mantem as pessoas viciadas, hipnotizadas, egocentricamente presas no próprio umbigo. As religiões são as que mais ofertam esse caminho de satisfação, de saciedade dessa fome infinita, ao mesmo tempo em que alimenta as pessoas só com ração de carne humana triturada.

 

Há outros processos terapêuticos, que para evitarem a armadilha religiosa, a ilusão da satisfação, apregoam que a falta é uma presença constante, que nunca será saciada, satisfeita. 

Somos seres de falta e isso que nos impele e nos locomove em direção as conquistas que irá nos satisfazer por algum tempo, até que a fome infinita nos preencha de novo. Queremos discutir a possibilidade de encontrarmos satisfação entre esses dois pontos. De assumirmos que sim, algo nos falta e encontrarmos esse algo se dá no entendimento de que somos seres de relação. Somos seres que precisam cuidar de si, do outro, mas esse cuidado não é uma posse, uma apropriação do umbigo do outro. O outro pode requerer a posse do seu umbigo a cada minuto, a cada instante e nesse requerer, estamos diante dos limites. Estamos, novamente diante das portas do Paraíso e tudo que Amaril está nos apresentando nessa Teologia dos Sonhos, na Teologia dos Despertos.

Basicamente, nessa Teologia, quando voltamos ao Éden, em determinado momento, reivindicamos nossa independência e ela nos foi dada. Ao ser dada carregamos a sensação de que fomos expulsos, abandonados. De maneira revoltada, mimada, todos os nossos movimentos são de afronta, são de grosseria contra o Criador, a Criação, a vida. A cada tempo buscamos e desejamos agir como deuses controladores da vida dos nossos e perdemos as rédeas da nossa vida, do nosso ser. Essas faltas e lacunas fisiológicas encerram buracos existenciais profundos, sérios, que precisamos amadurecer para darmos conta. Um amadurecimento que não é meramente fisiológico é um amadurecimento espiritual, um entendimento maior da vida, que o Criador nunca se volta contra seus filhos, mas que há filhos do Criador que se alimentam e exploram a desinformação dos irmãos mais novos. Irmãos? Muitos deles não nos veem assim. A história de José do Egito, assim como o do Dono da Vinha que mandou seu próprio filho como mensageiro simbolizam um grupo de seres que não veem a nós humanos como irmãos. Somos para eles, inimigos e uma grande parte das religiões, dos sistemas os idolatram e lhes prestam tributos de sangue. Sempre de sangue. E esse é o alimento deles, material, espiritual, energético.

Para nos libertarmos dessas forças opressivas precisamos unir pontes, elos. Precisamos entrelaçar gerações, povos, culturas. Precisamos de conhecimento, discernimento, atenção e sobretudo a confiança de se permitir nutrir pela fonte. A fonte, a grande Mãe nunca parou ou deixou de nos nutrir. Mas, antes de chegarmos nela precisamos visualizar, apontar o SEGUNDO movimento. 

 

Um movimento que nem sempre observamos, deixamos passar desapercebido, afinal como assumiremos a centralidade do nosso umbigo se antes não tivermos pessoas que cuidem deles em nós e por nós? Sem esse cuidado e confiança não alcançamos êxito. E é nesse cuidado e confiança que mais uma vez podemos remeter ao Joio e ao Trigo. No cuidado da mãe, na atenção protetora do pai, também é plantado o joio. O joio se parece em tudo com o trigo, mas como vimos é diverso. O joio se faz passar por algo que ele não é: alimento, fonte nutritiva. Nosso processo educacional, ainda que seja feito com amor e cuidado, ele cultiva joio, se alimenta de joio e lança trigos ao fogo, ao desprezo. A diferença só pode ser vista depois de pronta, depois de apta à colheita e muitos de vocês estão sendo ensinados a se alimentarem de joio, e claro, que não irá saciar, nutrir.

Diferente, daqueles que alimentam de trigo e compreendem que dele pode ser feito pão, na verdade, pães, farinhas, bases para centenas de massas, bebidas fermentadas e outras formas de alimento. O trigo possui uma diversidade que causa espanto e assombro- afinal, isso ainda é trigo? Sim, o é. A diversidade é o Trigo sideral. As humanidades são muitas, mesmo que alguns querem dizer que há somente uma e que essa uma é a imagem e semelhança do Criador. Qual criador? Precisam acreditar que é o criador de joios. O Criador semeia trigo, semeia joio, faculta a cada povo, civilização, indivíduos, escolher o que irá fazer, o que irá colher. Vos tens colhidos joio, lançado trigos ao fogo e re-clamando aos céus que estão com fome.

Retornando, é preciso que compreendam que o processo existencial se dá nessa cooperação amorosa. Se faz nesse exercício conjunto, indissociável de autonomia e cooperação, de independência e correlação, de liberdade individual e responsabilidade coletiva, de materialidade fisiológica e de espiritualidade orgânica. O cuidado parece ser a esteira desse fazer e desse realizar. Diante deles sobressaí o papel das mães. Como que a partir delas uma força mágica recobre e envolve esse umbigo. Como que esse cordão umbilical é apenas uma menção pálida, concreta de um campo que permeia todas as relações. Um campo sagrado que pode ser ilustrado num ditado africano: “ é preciso de toda uma aldeia para cuidar de uma criança. ” Uma criança, uma vida, um ser, não tem dono. Não tem um pai e em maiores amplitudes nem uma mãe. Ele é filho, fruto, esperança da aldeia. Ele é filho, fruto, esperança da coletividade. A responsabilidade sobre elx é coletiva.

É impensável a essas culturas uma hereditariedade restrita e restritiva a um homem, a um esperma, a um óvulo. Essas culturas tradicionais compreendiam a dimensão coletiva do Jardim. Como que uma vaca pode ter um único dono? Como que a terra pode ser de uma única pessoa? Como que os rios, as matas podem ser propriedade de alguém? É inconcebível. É impensável. As culturas ‘se fazem’ matriarcais porque não concebem o fruto, embora saído de um útero, como sendo exclusividade de um par de seres. Nada é exclusividade, porque cada qual tem apenas o próprio umbigo e o cuidado de todo o resto. Não é facultado a alguém cuidar do próprio umbigo, ou colocar o próprio umbigo acima dos demais. 

O umbigo de cada um é a simbolização de que todos têm uma centralidade e a pluralidade do afeto materno é a expressividade de que ele é acolhido por toda parte. Toda natureza é pai e mãe. Todo pai é mãe. Toda mãe é pai. Esses seres estão saciados, nutridos. Não são seres de falta no sentido psicanalítico, porque a vida é prospera, abundante, sábia, rica e eles estão abraçados a uma natureza que nossa cultura, nossa civilização não viu, não conheceu. Há uma relação de inteireza, de satisfação que se dá no cuidado, no zelo, no se importar com o outro, na consciência de que não há abandono, abandonados. Todas as partes compõem o todo e a inserção dele é crucial a integração da aldeia, da comunidade. 

É uma lógica diferente da nossa já que fomos apartados das nossas fontes, instaurados e ensinados a acreditar na competição e conquista individuais. Fomos ensejados a cortar o cordão umbilical que nos une e os laços que nos vincula. Cada qual ser o seu próprio umbigo em sua saga pela felicidade e conquista de todas as posses da aldeia. Nessa competição frenética, na qual todos são inimigos, todos são adversários, aqueles que podem nos dar ensejos de nossa conexão, das nossas relações, são exterminados. É como compreendemos nossos feitos contra as mulheres, a natureza, os diferentes. Desejamos a proteção dos abraços, da acolhida, mas as matamos, as espancamos, porque não conseguimos lidar com a lacuna, a falta. Ou melhor, culpamos mulheres, femininos, divergentes e diferentxs pela falta, pela lacuna quando a responsabilidade é esse olhar des-naturado da nossa ruptura com a nossa própria natureza. 

Sendo assim, as mães, a concepção, a gestação, o parto, a criação é um processo de cuidado, no qual a maioria tem sido abandonada, largada. As crianças já chegam com a falta ampliada. Uma falta que é oriunda da negligência, da irresponsabilidade. E se não damos conta da nossa criação, o que dirá de outras coisas. Se não adentrarmos as perspectivas coletivas, e a criação e educação é a mais básica delas, todo o restante está perdido. Antes de finalizar essa parte preciso registrar que a situação das mães solteiras, em especial das mulheres pretas é um projeto de joio. É um projeto de falta, de retirar de cada uma delas o melhor da nossa hereditariedade. É um projeto de sabotagem ao entendimento de uma linhagem real, material, efetiva, afetiva.

Nesse cenário sombrio que vamos construindo, temos artificializado a vida, comercializado a existência, atacado o feminino em todas as suas formas e maneiras- na natureza, nas mulheres, nos diferentes. Toda essa energia Mariana que estamos vivenciando, toda essa aproximação do feminino em cada um de nós produz movimentos sutis que abalam, desestruturam. Essa energia feminina está chegando, ainda não assentou e só o seu movimento causa isso que temos visto- delírios, loucuras, perda de eixos. Assentar a energia feminina requer uma fibra, um equilíbrio, uma hombridade, uma virtude que ainda não temos coletivamente. 

Amanhã, nos dias das mães, seria bom se conseguíssemos, homens e mulheres acolher, receber essa energia de Gaia, de Maria, das mulheres, do feminino, de cada mãe, de cada mulher, de cada nós.  

 

 

 

 

 

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